Junho 2019
Nesta semana, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) editou a Instrução nº 607/2019 (“ICVM 607/2019”; “Instrução”), que dispõe sobre o rito dos Processos Administrativos Sancionadores no âmbito da CVM.
A ICVM 607/2019 foi responsável por regular alguns dos dispositivos da Lei nº 13.506 de 13 de novembro de 2017, que alterou a Lei nº 6.385 de 07 de dezembro de 1976 (“Lei da CVM”).
Antes da ICVM 607/2019, as normas que regulavam o rito dos Processos Administrativos Sancionadores perante a CVM estavam dispersas em diversas instruções, de modo que a ICVM 607/2019, além de trazer algumas inovações, consolidou as normas esparsas em uma única Instrução.
As principais inovações regulatórias, com a ICVM 607/2019, são:
(i) Critérios para a decisão de instaurar ou não um Processo Administrativo Sancionador. O artigo 4º, inciso I da ICVM 607/2019 prevê três hipóteses em que as superintendências, após a investigação sobre supostas infrações administrativas, poderão deixar de lavrar termo de acusação, caso se conclua pela: (i) inexistência de irregularidade; (ii) extinção de punibilidade; ou (iii) caso seja demonstrado que a conduta analisada é de pouca relevância, ou a ameaça/lesão causada ao bem jurídico é baixa, de modo que seria possível utilizar outros instrumentos ou medidas de supervisão. O parágrafo 4º do referido artigo determina que caberá recurso da decisão da superintendência pela não lavratura do termo de acusação, caso tal decisão não tenha apresentado fundamentação ou não esteja de acordo com o entendimento prevalecente do Colegiado.
(ii) Utilização do meio eletrônico para a comunicação de atos processuais. Conforme o artigo 20 da ICVM 607/2019, a disponibilização dos atos processuais em meio eletrônico (e., envio de correspondência eletrônica ou publicação do ato no “Diário Eletrônico” presente na página online da CVM) substituirá as publicações realizadas em meios oficiais, exceto quando a lei estabelecer forma específica de publicação.
(iii) Contabilização de prazos para apresentação de defesa. Diferentemente da regulamentação anterior, o artigo 29, parágrafo terceiro da ICVM 607/2019 prevê que, quando houver mais de um acusado no Processo Administrativo Sancionador, o prazo de 30 (trinta) dias serão contabilizados individualmente. Nesse sentido, os acusados não podem se beneficiar mais da contagem de prazo em dobro para a apresentação de defesa, em linha com o novo Código de Processo Civil. O parágrafo quarto do referido dispositivo prevê, por sua vez, que, caso mais de um acusado tenha o mesmo representante, conta-se o prazo para apresentação de defesa a partir da citação do último acusado.
(iv) Possibilidade de manifestação da acusação após apresentação de defesa. Conforme o artigo 38, depois que houver a designação do Relator do processo, será facultada à superintendência a possibilidade de oferecer uma manifestação técnica complementar analisando as questões abordadas na defesa, no prazo de 30 (trinta) dias da reunião do Colegiado em que tiver sido decidido o Relator. Caso a superintendência realize essa manifestação, será concedido prazo de 30 (trinta) dias ao acusado para manifestar-se novamente.
(v) Definição de critérios para a dosimetria das penalidades. A Seção VII, do Capítulo III da ICVM 607/2019 estabelece o procedimento de dosimetria das penas que deverá ser observado pelo Colegiado ao fixar penas no julgamento de seus Processos Administrativos Sancionadores. Nos termos da ICVM 607/2019, o procedimento de determinação da pena ocorre da seguinte maneira: (i) fixação da pena-base; (ii) aplicação de circunstâncias agravantes e atenuantes; e (iii) aplicação das causas de redução da pena. Antes da edição da ICVM 607/2019, aplicava-se apenas o artigo 11, parágrafo primeiro da Lei nº 6.385/76, que prevê alguns princípios a serem adotados na dosimetria de penas (e., capacidade e razoabilidade), não um procedimento específico a ser adotado.
a. Circunstâncias agravantes. O artigo 65 da ICVM 607/2019 prevê 8 (oito) circunstâncias agravantes. Dentre elas, constam: (i) a prática sistemática ou reiterada de conduta irregular; (ii) o comprometimento da solvência do emissor; e (iii) a violação de deveres fiduciários decorrentes do cargo, posição, ou função que o acusado ocupar. Os parágrafos 1º e 2º do referido dispositivo preveem como deverá ser a contabilização dessas agravantes na pena a ser aplicada.
b. Circunstâncias atenuantes. As circunstâncias atenuantes estão previstas no artigo 66 da ICVM 607/2019. Dentre elas, cabe ressaltar: (i) a regularização da infração; (ii) a boa-fé dos acusados; e (iii) a adoção efetiva de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades.
(vi) Ampliação da aplicação do rito sumário. O anexo 73 da ICVM 607/2019 traz a lista de infrações que poderão ser julgadas sob o rito sumário dos Processos Administrativos Sancionadores. Como exemplo, cite-se a hipótese de um auditor independente, no exercício de suas funções no mercado de valores mobiliários, que deixar de verificar se as demonstrações contábeis e o relatório de auditoria foram divulgados nos meios em que seja obrigatória a sua publicação, e se estes correspondem às demonstrações contábeis auditadas e ao relatório original.
(vii) Acordos administrativos em processo de supervisão. Essa modalidade de acordo está prevista na Lei nº 13.506/17 e foi regulamentada no Capítulo V, Seção I da ICVM 607/2019. Conforme o artigo 93 da Instrução, a CVM poderá celebrar tais acordo com pessoas físicas ou jurídicas que confessarem a prática de infração a normas legais ou regulamentares. A celebração do acordo implica na extinção de sua ação punitiva ou na redução de 1/3 a 2/3 da penalidade, desde que haja a efetiva cooperação para a apuração dos fatos por parte do infrator, seja por meio da indicação de outros envolvidos na prática da infração, ou por meio da apresentação de documentos que demonstrem o cometimento da infração. Essa nova modalidade de acordo representa mais uma forma de acordo entre investigados e a CVM. O acordo de supervisão assemelha-se ao acordo de leniência, uma vez que poderá extinguir a punibilidade do investigado na esfera administrativa, ou reduzir sua pena. Por outro lado, essa nova modalidade de acordo diferencia-se do termo de compromisso, pois, nessa segunda forma de acordo, não há a confissão da prática do ilícito, conforme o artigo 81 da ICVM 607/2019 e implica necessariamente na extinção do processo administrativo sancionador.
O artigo 112 da ICVM 607/2019, por fim, afirma que a Instrução entrará em vigor apenas em 1º de setembro de 2019, e aplica-se imediatamente aos processos em curso, restando resguardada a validade dos atos processuais praticados antes de sua vigência.