Outubro 2019
Em 17.10.2019, foi publicada a Medida Provisória nº 899/2019, batizada pelo Governo como MP do Contribuinte Legal, que estabelece a possibilidade de transação tributária a ser realizada entre a União e contribuintes. Embora prevista há mais de 50 anos no art. 171 do Código Tributário Nacional (“CTN”), a transação tributária não era regulamentada na esfera federal até a edição da MP do Contribuinte Legal.
Transação na Dívida Ativa
A transação na cobrança de débitos inscritos em Dívida Ativa, tributários ou não, poderá ser proposta: (i) pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (“PGFN”), de forma individual ou por adesão; ou (ii) por iniciativa do devedor.
A transação de débitos inscritos em Dívida Ativa poderá dispor sobre:
a) concessão de descontos de até 50% do valor total da dívida, podendo chegar a 70% no caso de pessoas físicas, microempresas e empresas de pequeno porte;
(b) prazos de pagamento, que podem incluir:
(b.1) parcelamento em até 84 meses, sendo de até 100 parcelas para pessoas físicas, microempresas e empresas de pequeno porte;
(b.2) concessão de diferimento ou moratória;
(c) oferecimento, substituição ou alienação de garantias e de constrições.
Nos casos do item (b), acima, é garantida a suspensão da exigibilidade dos créditos tributários objeto da transação, em observância ao disposto no art. 151, I e VI, do CTN.
As transações não poderão dispor sobre:
(a) redução do montante principal da dívida (descontos alcançarão somente juros, multas e encargos);
(b) multas aplicadas em razão da ocorrência de fraude, conluio ou sonegação;
(c) débitos do Simples Nacional ou FGTS.
Além disso, para se valer da transação, o contribuinte deve assumir uma série de compromissos comportamentais, como a não utilização da transação com a finalidade de interferir na livre concorrência e a abstenção de práticas que possam levar à dilapidação patrimonial e, consequentemente, à frustração da cobrança fiscal.
O principal ponto de atenção na norma reside na delimitação dos débitos que serão elegíveis para transação. Apesar de haver notícias de que a transação estaria restrita aos débitos considerados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, conforme critérios a serem estabelecidos pela PGFN, não identificamos, no texto normativo, tal limitação.
Na verdade, a MP do Contribuinte Legal vincula o grau de recuperabilidade dos créditos à concessão de descontos (art. 5º, I), mas a transação pode versar sobre alternativas diversas para a quitação dos débitos (art. 5º, II e III), que, inclusive, podem ser aplicadas simultaneamente (art. 5º, §1º). Em resumo, pelo texto legal, a concessão de descontos fica restrita aos créditos irrecuperáveis ou de difícil recuperação, mas os prazos e formas de pagamento e o oferecimento, substituição ou alienação de garantias poderão ser objeto de transações que envolvam créditos tidos por recuperáveis.
De qualquer forma, a regulamentação a ser feita pela PGFN pode concretizar essa limitação da transação aos créditos irrecuperáveis ou de difícil recuperação, cuja identificação, segundo manifestações de pessoas próximas ao Governo, resultará de critérios avaliados eletronicamente com base em indicadores econômicos objetivos, tais como a existência de bens em nome do devedor e movimentação financeira, entre outros.
Finalmente, a transação será rescindida em caso de descumprimento das condições, de constatação de ato tendente ao esvaziamento patrimonial (mesmo que praticado antes da celebração da transação), de falência ou extinção da pessoa jurídica e em outras hipóteses previstas no respectivo termo de transação.
O processo administrativo relativo a essa rescisão se submeterá ao rito da Lei nº 9.784/99, o que significa que eventuais divergências entre Fisco e contribuintes nesse tema não serão julgadas pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), mas provavelmente por órgãos compostos exclusivamente por representantes da Fazenda Nacional. Por outro lado, no prazo de impugnação, o contribuinte poderá regularizar a pendência que levaria à rescisão.
Transação no Contencioso Tributário
A transação no contencioso tributário poderá abranger dívidas objeto de processos administrativos ou judiciais, cuja matéria envolva teses jurídicas relevantes e amplamente disseminadas nos Tribunais, com base em manifestação da Receita Federal do Brasil (“RFB”) ou da PGFN.
Nessa modalidade, a transação será realizada somente por adesão, a partir de edital que definirá as teses abrangidas, as exigências a serem cumpridas, as reduções ou concessões oferecidas, bem como os prazos e formas de pagamento, observado o limite de até 84 meses para parcelamento.
Não há informações sobre limites de abrangência (principal, multa, juros, encargos legais, honorários etc.) e de intensidade (percentual) dos descontos e reduções que poderão ser concedidos, o que, em princípio, ficará a cargo do edital.
A celebração da transação no contencioso tributário fica condicionada à existência de ação judicial ou recurso administrativo pendente de julgamento definitivo quando da publicação do respectivo edital (art. 13). No entanto, de maneira aparentemente contraditória, a transação será rescindida se contrariar decisão judicial definitiva prolatada antes da sua celebração (art. 16, I).
A contradição acima poderia ser contornada pela previsão de suspensão automática dos processos judiciais cujas matérias estejam contempladas pelo edital e que tenham como parte contribuinte que apresentou a solicitação de transação no prazo próprio, em linha com o que está previsto para os processos administrativos (art. 14, §5º).
Não poderão ser objeto de transação no contencioso tributário os débitos (i) do Simples Nacional ou (ii) do FGTS.
Por fim, não há previsão quanto ao procedimento aplicável nos casos de rescisão da transação, nem em relação à suspensão da exigibilidade dos créditos objeto de transação celebrada, apesar de essa suspensão poder decorrer diretamente do art. 151 do CTN, a depender dos termos da transação.
Renúncia ao Direito, Confissão dos Fatos, Irrenunciabilidade e Irretratabilidade
Em todos os casos, a adesão à transação obriga o contribuinte a renunciar a quaisquer alegações de direito, atuais ou futuras, referentes aos débitos transigidos, importa confissão sobre os fatos relativos aos mesmos débitos, bem como é irrenunciável e irretratável.
Regulamentação e Processo Legislativo
A MP do Contribuinte Legal será regulamentada pela PGFN, nos casos de transação da Dívida Ativa, e pelo Ministro da Economia, com relação ao contencioso tributário.
O Congresso Nacional deverá converter a MP do Contribuinte Legal em lei dentro do prazo de 60 dias, prorrogáveis por igual período, sendo possível a alteração das regras analisadas acima durante esse processo. Em razão disso, acreditamos que são remotas as chances de realização de transações antes da conversão da MP em lei.
Nossa equipe tributária está à disposição para prestar maiores esclarecimentos.