Lei nº 14.193/2021: A Sociedade Anônima do Futebol

Agosto 2021

Foi sancionada, em 09.08.2021, a Lei nº 14.193/2021 (“Lei da SAF”), resultante do Projeto de Lei nº 5.516/2019 (“PL 5.516”), que cria o Sistema do Futebol Brasileiro e autoriza que clubes esportivos, constituídos na forma de associação sem fins lucrativos, adotem o regime jurídico da Sociedade Anônima de Futebol – SAF.

Constituição

Com regulação própria e aplicação subsidiária da Lei nº 6.404/64 (“Lei das S.A.”), a SAF poderá ser constituída mediante: (i) transformação do clube ou de pessoa jurídica dedicada ao fomento do futebol; (ii) cisão do departamento de futebol do clube e transferência à SAF do seu patrimônio relacionado à atividade futebol; ou (iii) iniciativa de pessoa natural ou jurídica ou de fundo de investimento.

Nas hipóteses de constituição por transformação, ou por cisão do departamento de futebol do clube, a SAF sucederá o clube ou pessoa jurídica dedicada ao fomento do futebol em todas as suas relações contratuais com as Entidades de Administração – confederação, federação ou liga que administra, dirige, regulamenta ou organiza competição profissional de futebol – e, também, com atletas e profissionais do esporte.

No que tange especificamente à cisão, há regras específicas: (i) quanto aos ativos que devem ­obrigatoriamente ser transferidos pelo clube, quais sejam, os direitos e deveres decorrentes de relações, de qualquer natureza, estabelecidos com o clube, pessoa jurídica original e entidades de administração, inclusive direitos de participação em competições profissionais, bem como contratos de trabalho, de uso de imagem ou quaisquer outros contratos vinculados à atividade do futebol; (ii) a remuneração pelo uso de direitos de propriedade intelectual; (iii) o prazo de transferência da titularidade dos ativos, se definitivo ou a termo; (iv) a remuneração pela utilização de estádios, arenas ou centros de treinamento, quando estes não fizerem parte da parcela cindida; e (v) vedação ao clube cindido em participar de eventos futebolísticos.

Adicionalmente, na hipótese de cisão, a SAF será obrigada a emitir ações ordinárias de classe “A”, cuja subscrição é exclusiva do clube ou da entidade dedicada ao fomento do futebol e garante o voto afirmativo em determinadas deliberações da sociedade.

Governança Corporativa

A Lei da SAF confere regras de governança corporativa robustas e transparentes, a fim de aprimorar a gestão dos clubes, além de evitar que um “time de futebol” esteja sob controle de outro time ou de pessoas ligadas a este.

Para tanto, a nova legislação proíbe que o acionista controlador de uma SAF detenha participação, direta ou indireta, em outra SAF. Além disso, o acionista que detiver 10% (dez por cento) ou mais do capital votante ou total de uma SAF e participar do capital social de outra SAF, não terá direito de voto, nem de participar na administração, de qualquer delas.

Ao mesmo tempo, a Lei da SAF tenta assegurar aos clubes o poder de decisão em matérias essenciais, atribuindo-lhes poder de veto, independentemente de sua participação no capital social da SAF, com relação a: (i) alteração da denominação; (ii) modificação dos signos identificativos da equipe de futebol profissional, incluindo símbolo, brasão, marca, alcunha, hino e cores; e (iii) mudança da sede para outro Município.

Com o intuito de trazer mais confiabilidade e transparência ao mercado, a legislação determinou a existência compulsória de um Conselho de Administração e de um Conselho Fiscal permanentes nas SAFs, com regras claras de composição que evitem conflitos de interesses, além da obrigatoriedade de submissão das suas demonstrações financeiras à auditoria externa independente e de publicação, na internet, dos seus estatutos e atas de Assembleia Geral. Além disso, a Lei também exige a identificação do beneficiário final (pessoa natural) de qualquer pessoa jurídica que participe com 5% ou mais da SAF.

Originalmente, o texto do PL 5.516 também exigia a identificação da composição acionária da SAF e a revelação dos nomes dos quotistas dos Fundos de investimento com participação maior do que 10% sobre a SAF. Contudo, estes dispositivos foram objeto de veto pelo Presidente da República.

Tratamento das Dívidas dos Clubes

Com relação às dívidas dos clubes, a Lei da SAF parece adotar posição equilibrada, protegendo os credores, mas sem onerar excessivamente a nova entidade.

Por um lado, a Lei afastou a responsabilidade da SAF pelas obrigações do clube anteriores ou posteriores à data de sua constituição, exceto aquelas relacionadas às atividades específicas do seu objeto social e que tenham sido transferidas à SAF; por outro, estabelece que, nos casos em que a SAF for constituída por cisão do departamento de futebol, deverá destinar ao clube, para o pagamento de credores, 20% de suas receitas correntes mensais, bem como 50% dos dividendos, juros sobre capital próprio ou de outra remuneração recebida, na condição de acionista.

A forma pela qual será efetuado o pagamento das obrigações aos credores fica à critério do clube ou da pessoa jurídica que deu origem à SAF, podendo optar: (i) pela negociação direta ou coletiva; (ii) pelo requerimento da Recuperação Judicial ou Extrajudicial (Lei 11.101/05); ou (iii) por utilizar-se do Regime Centralizado de Execuções.

Neste último regime, disciplinado pelo Poder Judiciário e com grandes semelhanças com a Lei de Falências e Recuperação de Empresas, as dívidas e receitas do clube serão concentradas em um juízo universal de execução, responsável pelo levantamento dos ativos e posterior distribuição dos valores arrecadados aos credores em concurso e de forma ordenada.

O pagamento dos credores deverá ocorrer no prazo inicial de 6 (seis) anos, sendo admitida a prorrogação por mais 4 (quatro) anos, caso o clube comprove adimplência de ao menos 60% (sessenta por cento) do seu passivo original no prazo inicial. Na hipótese de prorrogação, o percentual aplicado às receitas mensais a serem transferidas da SAF ao clube será reduzido para 15% (quinze por cento) – e não mais de 20% (vinte por cento).

Durante o período em que permanecer no Regime Centralizado de Execuções, fica vedado qualquer forma de constrição do patrimônio ou receitas dos clubes, seja por penhora ou ordem de bloqueio, desde que cumpridas as obrigações assumidas em juízo. No entanto, uma vez encerrado o prazo (que pode chegar a 10 (dez) anos), a SAF será responsável, subsidiariamente, pelas obrigações civis e trabalhistas do clube anteriores à sua execução.

Financiamento da atividade e criação da “Debênture-fut”

No que concerne ao financiamento das atividades, a Lei da SAF criou a chamada “debênture-fut”, espécie de debêntures emitida pelas SAF que (i) deverá ser registrada em entidade autorizada pelo Banco Central; (ii) não admitirá recompra; e (iii) deverá ter prazo mínimo de vencimento de 2 (dois) anos e remuneração mínima igual à da poupança, autorizada a estipulação de remuneração variável vinculada às atividades da SAF.

Inicialmente, o PL 5.516 estabelecia que os rendimentos decorrentes da aplicação em debêntures-fut, estariam sujeitos ao Imposto de Renda exclusivamente na fonte, da seguinte forma: (i) quando auferidos por pessoas físicas residentes no país, à alíquota zero; (ii) quando auferidos por pessoa jurídica ou fundo de investimento com domicílio no País ou não, à alíquota de 15%; e (iii) quando pagos a beneficiário domiciliado em paraíso fiscal, à alíquota de 25%. Entretanto, o referido dispositivo foi também foi objeto de veto pelo Presidente da República.

Destaque-se que a debenture-fut não impede que a SAF recorra aos demais instrumentos de mercado disponíveis para as pessoas jurídicas em geral.

Regime de Tributação Específica do Futebol – TEF

O PL 5.516/19 criava Regime de Tributação Específica do Futebol – TEF, com uma alíquota única englobando: (i) o Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ; (ii) a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido – CSLL; (iii) as contribuições para o PIS e da COFINS e (iv) as contribuições previdenciárias patronais previstas nos incisos I, II e III, e §6º, do art. 22 da Lei nº 8.212/91.

Pelas regras do TEF, durante os 5 (cinco) primeiros anos de operação, a alíquota única seria de 5% sobre a receita mensal auferida em regime de caixa, consideradas inclusive as receitas de prêmios e de programas de sócio torcedor, mas excetuadas as receitas relativas à cessão dos direitos desportivos dos atletas. A partir do 6º ano de operação, a alíquota única do TEF ficaria reduzida para 4% (quatro por cento) e passaria a abranger as receitas com a cessão dos direitos desportivos dos atletas.

Todavia, o regime do TEF foi vetado pelo Presidente da República, por ocasião da sanção da Lei da SAF. Não obstante, o Congresso Nacional já sinalizou que poderá derrubar o veto, o que deverá ocorrer em até 30 dias.

Conclusão

A Lei da SAF confere incentivos à recuperação econômica dos clubes esportivos e traz grandes expectativas de incentivo à gestão profissionalizada e os novos padrões de compliance.

As equipes de societário e de tributário do FreitasLeite estão à disposição para prestar maiores esclarecimentos relacionados às novas alterações legislativas.