Abril 2015
A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) publicou em 27 de março de 2015 a Instrução nº 558 (“Instrução CVM nº 558”), com o objetivo de modernizar em diversas frentes as regras aplicáveis aos administradores de carteiras de valores mobiliários (“Administradores de Carteiras”), sobretudo quanto a (i) categorização de instituições participantes e os respectivos requisitos de registro, (ii) divulgação de informações periódicas, (iii) escopo de atuação, (iv) regras de conduta e (v) controles internos.
Apesar de o novo tratamento conferido pela Instrução CVM nº 558 à atividade de administração de carteiras e aos respectivos prestadores de serviços demonstrar sensíveis diferenças em relação ao previsto na Instrução CVM nº 306, de 5 de março de 1999 (“Instrução CVM nº 306”), que atualmente regula a matéria, permanece a necessidade de registro na autarquia das pessoas físicas e jurídicas interessadas em atuar no setor. Em relação a isso, contudo, nota-se a primeira inovação trazida pela nova norma: a categorização dos sujeitos regulados, entre (i) administradores fiduciários, que respondem pela contratação de terceiros para a prestação de serviços de custódia, controladoria de ativos e passivos e, de maneira geral, pela supervisão da gestão e demais atividades burocráticas relacionadas ao funcionamento de um fundo de investimento, e (ii) gestores de recursos, responsáveis pela tomada de decisões de investimento – cada qual com um nível distinto de competências e obrigações.
O credenciamento na CVM poderá cumular ambas as mencionadas categorias, desde que o requerente atenda aos requisitos específicos aplicáveis a cada uma delas, dentre os quais, no caso dos administradores fiduciários, a necessidade de configurar-se como uma instituição financeira (ou equivalente, autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil) ou manter continuamente valores equivalentes a no mínimo 0,20% dos recursos financeiros sob administração ou mais do que R$ 550 mil, o que for maior, em cada uma das contas “patrimônio líquido” e “disponibilidades” do Balanço Patrimonial. Estão dispensados do atendimento a tais exigências os administradores fiduciários exclusivamente de FIP, FMIEE, FICFIP, FIP-IE, FIP-PD&I e carteiras administradas.
À parte da consolidação das atuais práticas adotadas pela CVM para a concessão do registro dos Administradores de Carteiras, derivadas dos diversos normativos em vigor sobre o tema e da jurisprudência do colegiado da CVM formada desde 1999, e da maior rigidez atribuída aos controles internos a serem por eles mantidos (veja detalhes adiante), a mudança mais evidente em relação ao credenciamento se deu no âmbito das pessoas físicas, que terão de se sujeitar a um exame de certificação para obterem o registro pretendido – em detrimento da obrigação prevista na Instrução CVM nº 306 de demonstrarem experiência profissional relacionada à gestão de recursos. O mencionado exame não teve, até a presente data, a metodologia e conteúdo aprovados pela CVM. No entanto, a autarquia sujeitou à análise do mercado, por meio de Edital de Audiência Pública datado de 26 de março de 2015[1], o reconhecimento de dois exames de certificação já existentes, (i) os Módulos I e II do programa de Certificação de Gestores da ANBIMA – CGA, organizado pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, e (ii) o Level III do programa de certificação Chartered Financial Analyst – CFA, organizado pelo CFA Institute, além de solicitar informações acerca de outros exames de certificação que poderão ser adotados para esse fim.
O prazo de duração dos processos de credenciamento junto à CVM de pessoas físicas e jurídicas para a obtenção da licença para atuarem como Administradores de Carteiras também deve ser elevado em comparação com os atuais padrões, passando da média de 60 (sessenta) dias corridos para até 105 (cento e cinco) dias úteis.
Outra inovação trazida pela Instrução CVM nº 558 que merece destaque diz respeito ao aumento do nível de informações a serem divulgadas pelos Administradores de Carteiras, denotando um maior rigor da CVM em relação à transparência exigida de tais prestadores de serviços. Torna-se necessário, com o advento da nova instrução, que os Administradores de Carteiras submetam anualmente[2] à CVM o respectivo formulário de referência (“Formulário de Referência”), do qual constarão informações detalhadas da empresa (incluindo demonstrativos financeiros, forma de remuneração e processos judiciais, administrativos ou arbitrais em curso) e de seus sócios, diretores e clientes.
Parte do mercado reagiu de forma contrária ao incremento da austeridade do disclosure de informações, comparando o Formulário de Referência às exigências atribuídas às companhias abertas, o que representaria um rigor desmedido, considerando o grau de risco aos investidores representado pelos Administradores de Carteiras em contraponto àquele representado pelas companhias abertas.
Por outro lado, a CVM parece discordar de forma geral da comparação feita pelo mercado, enfatizando a relevância da divulgação das informações para que os investidores tomem decisões conscientes no momento da escolha do Administrador de Carteiras, de modo que estejam aptos a avaliar a capacidade deste de (i) manter corpo técnico adequado durante a vida operacional da empresa, e (ii) indenizar os clientes por erros operacionais pelos quais tenha sido responsável. Ainda de acordo com a CVM, informações mais detalhadas acerca dos padrões de remuneração dos Administradores de Carteiras permitirão aos investidores que comparem a proposta especificamente direcionada a ele com aquela usualmente praticada pelos profissionais, além de ter mais elementos para avaliar a propensão ao risco representado pela gestora, considerando o maior ou menor peso dado pelo Administrador de Carteiras à taxa de performance. Um ponto de contato indicado pela CVM entre a Instrução CVM nº 558 e as regras aplicáveis às companhias abertas diz respeito à divulgação de processos judiciais, administrativos ou arbitrais em curso, informação relevante para que os investidores avaliem o histórico de litígios do Administrador de Carteiras.
De acordo com a nova instrução, os Administradores de Carteiras deverão manter página na internet com as seguintes informações atualizadas, em linhas gerais: (i) Formulário de Referência[3], (ii) código de ética, (iii) regras, procedimentos e descrição dos controles internos, (iv) política de gestão de risco, (v) política de compra e venda de valores mobiliários por administradores, empregados, colaboradores e pela própria empresa, (vi) manual de precificação dos ativos das carteiras de valores mobiliários que administra, ainda que este manual tenha sido desenvolvido por terceiros e (vii) política de rateio e divisão de ordens entre as carteiras de valores mobiliários.
O nível de sofisticação exigido pela Instrução CVM nº 558 na divulgação das informações, no entender de participantes do mercado, permitirá, no limite, que os Administradores de Carteiras de maior porte levem vantagem sobre seus pares menores. Na visão dos reguladores, entretanto, as novas barreiras criadas pela Instrução CVM nº 558 diferenciarão as casas mais e menos estruturadas, não havendo relação direta com o porte das “assets”.
No que se refere à ampliação do escopo das atividades dos Administradores de Carteiras, duas antigas reivindicações do mercado foram contempladas pela Instrução CVM nº 558: a possibilidade de os Administradores de Carteiras atuarem na distribuição de cotas de fundos de investimento por eles administrados e/ou geridos, e de prestarem serviços de consultoria de investimentos (no caso de gestores de recursos).
Quanto à distribuição, a norma estabelece interface entre os investidores e a casa responsável pela administração e/ou gestão do fundo de investimento em questão, contribuindo para um atendimento de melhor qualidade, sobretudo acerca de informações trocadas entre as partes a respeito dos produtos ofertados, além de potencialmente reduzir os custos com a distribuição dos valores mobiliários, visto que a figura do distribuidor será relativizada.
A propósito, para a CVM o canal de distribuição representa uma barreira relevante à viabilização e ao crescimento dos Administradores de Carteiras de pequeno porte. Deste modo, com a desobstrução desta via, espera-se um incremento da competitividade das “assets” independentes.
Participantes do mercado, contudo, vislumbrando as responsabilidades e os riscos decorrentes de vendas mal feitas, veem a atuação do Administrador de Carteiras na distribuição das cotas de seus fundos de investimento como um complemento, atribuindo aos bancos papel essencial na colocação de valores mobiliários.
Ainda, é de se ressaltar que o escopo de atuação dos Administradores de Carteiras enquanto distribuidores tem caráter limitado, na medida em que lhes é vedado contratar agentes autônomos de investimentos para auxiliá-los na colocação dos valores mobiliários – o que foi sinalizado que poderá ser objeto de análise pela CVM futuramente.
Para que possam atuar na distribuição de cotas de fundos de investimento, os Administradores de Carteiras terão de informar à CVM e ao mercado o momento em que decidirem fazê-lo, fornecendo subsídios referentes aos recursos humanos e tecnológicos da área. Desta forma, os Administradores de Carteiras se estruturarão de forma semelhante a entidades integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários, devendo atender a requisitos específicos referentes a cadastro, intermediação, lavagem de dinheiro e troca de informações, refletindo tais informações no Formulário de Referência.
Seguindo a linha da regulação de diversos outros países, os Administradores de Carteiras integrantes da categoria “gestor de recursos” poderão prestar serviços de consultoria de valores mobiliários, sem que lhes seja necessária a obtenção de licença específica para tanto – como ocorre segundo os ditames da Instrução CVM nº 306. O gestor de recursos deverá exercer suas atividades de consultoria com lealdade em relação aos seus clientes, evitando práticas que possam ferir a relação fiduciária com eles mantida e, diante de uma situação de conflito de interesses, informar ao cliente que está agindo em conflito de interesses e as fontes desse conflito, antes de prestar a consultoria. Ainda que não haja obrigatoriedade, a CVM entende ser altamente recomendável a segregação de atividades nesses casos, haja vista as regras de conduta, em especial relacionadas à identificação e ao gerenciamento de conflitos de interesses, procedimentos e controles internos, a serem implantados com a entrada em vigor da nova instrução. Diante desse cenário, alguns participantes do mercado vislumbram futuramente a regulamentação específica da figura do “gestor de patrimônio”, que em regra reúne as atividades de gestão de recursos e de consultoria de investimentos
Segundo a CVM, a Instrução CVM nº 43, de 5 de março de 1985, que fixa normas para o exercício das atividades de consultor de valores mobiliários, será objeto de atualização, o que ocorrerá até o final deste ano.
Adicionalmente ao abordado acima em relação às regras de conduta e aos controles internos determinados pela Instrução CVM nº 558, faz-se necessário notar a nova configuração interna a ser adotada pelos Administradores de Carteiras de acordo com a nova norma, a qual prevê a existência de 6 (seis) diretores:
- de administração de carteiras, responsável pela gestão de recursos, se for o caso;
- de administração de carteiras, responsável pela administração fiduciária, se for o caso;
- de consultoria de valores mobiliários, no caso de Administrador de Carteiras alocado na categoria “gestor de recursos”;
- de compliance;
- de gestão de risco; e
- de distribuição, caso o Administrador de Carteiras distribua cotas de fundos dos quais seja administrador ou gestor.
Nota-se, contudo, que a CVM faculta que o diretor de administração de carteiras acumule a responsabilidade pela distribuição e pela consultoria de investimentos, e o diretor de compliance também seja o responsável pela gestão de risco. Neste sentido, o Administrador de Carteiras pessoa jurídica registrado em apenas uma categoria deverá ter, no mínimo, apenas 2 (dois) diretores, da seguinte forma:
- diretor responsável pela administração de carteiras, distribuição e consultoria de investimentos; e
- diretor responsável pelo compliance e pela gestão de risco.
Caso o Administrador de Carteiras venha a cumular os registros de administrador fiduciário e gestor de recursos, especificamente, a CVM entende que não seria adequado que o respectivo “diretor de carteiras” atuasse, concomitantemente, na gestão e no backoffice, visto que as atividades de custódia e de controladoria de ativos e de passivos devem estar totalmente segregadas das atividades de gestão de recursos. Neste caso torna-se obrigatória a indicação de dois diretores de administração de carteiras.
Informamos, por fim, que a Instrução CVM nº 558 entrará em vigor em 4 de janeiro de 2016, porém os Administradores de Carteiras que já tiverem obtido registro antes dessa data devem se adaptar ao disposto na nova norma até 30 de junho de 2016.
Clique aqui para ter acesso à íntegra da Instrução CVM nº 558.
Para maiores informações, entre em contato com Cristiano Leite, Carolina Nobre ou Leonardo Di Cola.
[1] Edital de Audiência Pública SDM Nº 02/15.
[2] Até 31 de março, com base nos dados apurados no último dia do ano anterior.
[3] O Administrador de Carteiras pessoa natural que atue exclusivamente como preposto ou empregado de Administrador de Carteiras pessoa jurídica está dispensado da atualização e envio periódico à CVM do Formulário de Referência.