Setembro 2015
Em 02.09.2015, foi publicada a Instrução Normativa nº 1.585, de 31.08.2015, da Receita Federal do Brasil (IN RFB nº 1.585/15), que introduziu uma nova regulamentação da tributação do Imposto de Renda (IR) incidente sobre os rendimentos e ganhos produzidos por operações do mercado financeiro e de capitais, em substituição da IN RFB nº 1.022/10, anteriormente vigente.
A nova norma teve o intuito de consolidar e reorganizar as regras que regem a tributação em tela, as quais foram objeto de inúmeras alterações e inovações desde o início de vigência da IN RFB nº 1.022/10. Este informe não tem o escopo de detalhar todas as regras veiculadas pela IN RFB nº 1.585/15, mas apenas pontuar as suas principais novidades e indicar algumas situações mais sensíveis decorrentes do novo regramento.
1. NOVOS FUNDOS DE INVESTIMENTO SUJEITOS A REGIMES ESPECIAIS
Em linha com a legislação editada posteriormente ao advento da IN RFB nº 1.022/10, a IN RFB nº 1.585/15 passou a conter novas disciplinas específicas sobre determinados fundos de investimento que não se submetem às regras aplicáveis aos fundos de investimento em geral, quais sejam: (i) Fundos de Investimento em Ações – Mercado de Acesso; e (ii) Fundos de Índice de Renda Fixa.
2. ALTERAÇÃO DO TRATAMENTO PARA PROVENTOS DE AÇÕES REPASSADOS DIRETAMENTE PELOS FUNDOS DE INVESTIMENTO AOS COTISTAS – QUESTIONAMENTO JUDICIAL
O art. 22 da IN RFB nº 1.022/10 estabelecia que os dividendos recebidos pelos fundos de ações das companhias emissoras de ações integrantes da sua carteira, que fossem repassados diretamente aos cotistas, eram isentos do IR. O mesmo dispositivo determinava que, se em lugar de dividendos se tratasse de Juros sobre o Capital Próprio (JCP), estes seriam tributados na fonte à alíquota de 15%.
A IN RFB nº 1.585/15, em seu art. 21, terminou com este tratamento tributário. Em resumo, esse dispositivo prevê que os dividendos e JCPs repassados diretamente pelos fundos de investimento aos seus cotistas passam a estar sujeitos à retenção e recolhimento do IR segundo as regras aplicáveis (i) ao resgate de cotas, no caso de fundos abertos, ou (ii) à amortização de cotas, no caso de fundos fechados.
Todavia, entendemos haver argumentos para o questionamento judicial da revogação da isenção pela IN RFB nº 1.585/15. Isto porque a isenção anteriormente prevista não decorria apenas da IN RFB nº 1.022/10, mas sim de uma conjugação de três outras normas, duas das quais de natureza regulatória:
(a) a natureza condominial do fundo de investimento, estabelecida no art. 2º da Instrução CVM nº 409/2004;
(b) a legislação que confere isenção aos lucros e rendimentos distribuídos pela pessoa jurídica a qualquer beneficiário (Lei nº 9.249/95, art. 10); e
(c) a autorização expressa na norma regulamentar (Instrução CVM nº 409/2004, art. 42) de que o fundo, através de seu administrador, possa destinar os dividendos diretamente ao cotista.
Assim, recomendamos aos administradores de fundos cuja carteira seja composta por ações que tenham volumes relevantes de pagamentos de dividendos diretamente aos cotistas, que questionem judicialmente a incidência acima, bem como colocamos nossa equipe de contencioso tributário à disposição para tal questionamento.
3. FUNDOS DE INVESTIMENTO EM AÇÕES (FIA) E FUNDOS DE INVESTIMENTO EM PARTICIPAÇÕES (FIP)
Além da alteração de tratamento acima, os FIAs foram atingidos por uma novidade positiva: a inclusão das cotas de fundos estrangeiros de investimento em ações no rol de títulos equiparados a ações para fins de enquadramento do fundo nesta categoria.
A IN RFB nº 1.585/15 foi silente quanto aos requisitos e condições que devem estar presentes para que o fundo estrangeiro seja considerado um “fundo de investimento em ações”. Na nossa opinião, há basicamente duas interpretações que podem ser adotadas: (i) a de que o fundo estrangeiro deve cumprir os mesmos requisitos que os fundos brasileiros têm de observar para serem considerados “fundo de investimento em ações”; ou (ii) a de que serão considerados “fundo de investimento em ações” os fundos estrangeiros que tiverem essa natureza em suas respectivas jurisdições.
Acreditamos que este ponto ainda merecerá um futuro esclarecimento por parte da RFB, seja com a alteração da IN RFB nº 1.585/15, seja por meio de soluções de consultas ou atos declaratórios interpretativos.
Em relação aos FIPs, tais fundos também foram atingidos pelo encerramento do tratamento tributário mencionado no tópico antecedente. Por outro lado, estes fundos não foram beneficiados com a inclusão das cotas de fundos de investimento em ações estrangeiros no rol de títulos cujo investimento permite o enquadramento do fundo nesta categoria. Assim, os FIPs continuam obrigados a ter pelo menos 67% do seu patrimônio composto por “ações de sociedades anônimas, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição”, sem prejuízo das demais regras de diversificação da CVM.
4. FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO (FII)
Esclarecimentos sobre Compensação de IRRF e Cumprimento de Condições para Isenção de Pessoas Físicas
Solucionando dúvidas existentes no mercado, a IN RFB nº 1.585/15 definiu que a compensação do IRRF incidente sobre os rendimentos e ganhos líquidos auferidos pelas carteiras dos FIIs com o IR a ser retido na fonte por ocasião da distribuição de rendimentos e ganhos de capital aos seus cotistas deve levar em consideração os cotistas que participavam do fundo (i) no último dia de cada semestre ou (ii) na data da declaração de distribuição dos rendimentos pelo FII, o que ocorrer primeiro.
Esses dois marcos temporais também deverão ser aplicados na verificação do cumprimento das condições para o aproveitamento da isenção de IR (na fonte e na declaração de ajuste) que beneficia os cotistas pessoas físicas dos FIIs.
Isenção de IR para os Rendimentos e Ganhos distribuídos por um FII a outro Fundo de Investimento – Indefinição
Apesar desses primeiros esclarecimentos úteis à racionalidade da tributação do mercado de FIIs, a IN RFB nº 1.585/15 deixou de contribuir para a solução de um tema relevante para esses fundos.
Trata-se da isenção de IR para os rendimentos e ganhos distribuídos por um FII a outro fundo de investimento, decorrência lógica da isenção especificamente aplicada aos rendimentos produzidos por carteiras de fundos de investimento. A extensão dessa isenção é controversa, em razão das ilegítimas iniciativas da RFB de cobrar o imposto sobre tais rendimentos e ganhos, com base na previsão geral de que rendimentos distribuídos por FIIs a “qualquer beneficiário” se sujeitam ao IR de 20%.
Para uma visão mais abrangente deste assunto, recomendamos a leitura do artigo de autoria do nosso sócio PEDRO AFONSO GUTIERREZ AVVAD, recentemente publicado na obra “Mercado Financeiro & de Capitais: Regulação e Tributação” (São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 1.227-1.248).
Residentes no Exterior – Isenção sobre os Rendimentos Distribuídos pelos FIIs com cotas negociadas exclusivamente em bolsas de valores ou no mercado de balcão organizado
Ao tratar da regra geral de tributação dos residentes no exterior, a IN RFB nº 1.585/15 (art. 85, §4º) passou a estender a essas pessoas as isenções previstas em outro dispositivo da própria IN (art. 55, I a IV). Isto significou uma alteração redacional em comparação com a IN RFB nº 1.022/10, que, ao tratar desse tema, fazia referência ao art. 3º da Lei nº 11.033/04.
Considerando que as isenções arroladas no art. 55, I a IV, da IN RFB nº 1.585/15 são parcialmente diferentes daquelas elencadas no art. 3º da Lei nº 11.033/04, essa alteração tem levado alguns a entender que os residentes no exterior não mais se beneficiariam da isenção aplicável aos rendimentos distribuídos pelos FIIs cujas quotas sejam admitidas à negociação exclusivamente em bolsas de valores ou no mercado de balcão organizado (sujeita a determinadas condições), prevista apenas no segundo dispositivo acima.
De fato, essa isenção específica não se encontra listada no art. 55, I a IV, da IN RFB nº 1.585/15. Não obstante, o art. 85, I, da mesma IN estabelece que “os residentes ou domiciliados no exterior sujeitam-se às mesmas normas de tributação pelo imposto sobre a renda, previstas para os residentes ou domiciliados no País, em relação aos (…) rendimentos decorrentes de aplicações financeiras (…) em fundos de investimento”.
Nesse sentido, entendemos que este último dispositivo soluciona a questão a favor da aplicação da isenção em tela aos não-residentes, uma vez que essa isenção está compreendida entre as “normas de tributação” de rendimentos decorrentes de aplicações em fundos de investimento aplicáveis aos residentes no País.
5. INTEGRALIZAÇÃO DE COTAS DE FUNDOS E CLUBES DE INVESTIMENTO COM ENTREGA DE ATIVOS FINANCEIROS
Em linha com o previsto na Lei nº 13.043/14, o art. 42 da IN RFB nº 1.585/15 regulamentou a responsabilidade tributária do administrador pelo IR devido sobre o ganho de capital apurado na integralização de cotas de fundos ou clubes de investimento por meio da entrega de ativos financeiros pelo cotista pessoa física. Já o §8º do mesmo dispositivo afasta essa responsabilidade caso tal integralização seja realizada por pessoas jurídicas, que deverão apurar e recolher o imposto conforme o regime de tributação a que estejam submetidas (lucro real, presumido ou arbitrado).
Por outro lado, o art. 42 da IN RFB nº 1.585/15 estendeu a possibilidade de integralização de cotas aos ativos escriturados em sistema de registro, apesar de o art. 1º, §7º, da Lei nº 13.043/14 restringir a possibilidade dessa integralização à entrega de ativos registrados em sistema de registro ou depositados em depositário central autorizado pelo Banco Central do Brasil ou pela CVM. Essa ampliação significa, na prática, a possibilidade de que tal integralização tenha como objeto, por exemplo, ações de sociedades anônimas com capital fechado.
6. GANHOS DE CAPITAL NA ALIENAÇÃO DE TÍTULOS IMOBILIÁRIOS E DO AGRONEGÓCIO – ESCLARECIMENTO SOBRE A ISENÇÃO DAS “REMUNERAÇÕES PRODUZIDAS”
A tributação do ganho auferido na alienação de títulos imobiliários e do agronegócio no mercado secundário vinha sendo um assunto bastante polêmico.
A Lei nº 11.033/04 instituiu a isenção de IR sobre a “remuneração” produzida por esses títulos, não utilizando os conceitos de “renda”, “rendimento” e “ganhos” mais comuns na legislação do IR. Nesse contexto, a palavra “remuneração” poderia compreender tanto o que é tecnicamente rendimento quanto o ganho de capital. Diante disso, três interpretações poderiam ser extraídas em relação à extensão dessa isenção:
(a) todos os valores auferidos por detentores desses títulos, por meio de quaisquer operações, seriam sempre isentos do IR, pois o conceito de “remuneração” abrangeria tanto “rendimentos” como “ganhos”;
(b) a isenção alcançaria tão-somente os “rendimentos” propriamente ditos, ou seja, não se aplicaria aos “ganhos” obtidos na alienação dos títulos; ou
(c) nos “ganhos” obtidos na alienação de títulos, a isenção alcançaria apenas a parcela desse ganho que, economicamente, correspondesse aos juros do título apropriados pro rata temporis, é dizer, estaria isento o ganho na medida em que o mesmo correspondesse aos juros produzidos pelo título, mas não o eventual ganho em razão de condições de mercado (fatores externos ao título), que levassem terceiro a adquirir a CRI pagando valor superior à chamada “curva do papel”.
O art. 44, parágrafo único, II, na IN RFB nº 1.022/10, adotava a opção (b) acima e regulamentava o assunto excetuando da isenção o ganho de capital auferido na alienação ou cessão dos títulos em referência.
Todavia, solucionando essa controvérsia, o art. 55, parágrafo único, da IN RFB nº 1.585/15 esclareceu que a isenção em tela “aplica-se, inclusive, ao ganho de capital auferido na alienação ou cessão” desses títulos.
7. CONCLUSÕES
A breve exposição acima permite concluir que se, por um lado, a IN RFB nº 1.585/15 cumpriu os papeis de consolidar e reorganizar as normas referentes à incidência do IR sobre operações do mercado financeiro e de capitais, bem como esclarecer algumas obscuridades anteriormente existentes, por outro, deixou passar a oportunidade de encerrar determinadas controvérsias, além de ter inovado em certos aspectos.
Considerando a multiplicidade de regras previstas nessa IN e os diferentes impactos que elas podem trazer para os diversos produtos financeiros, nossa equipe está à disposição para prestar esclarecimentos e aprofundar a análise de todos estes temas.