Março 2021
Tendo como pano de fundo uma pauta de modernização e adaptação das normas que regem o mercado de capitais, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) iniciou, em 10 de março, a Audiência Pública SDM nº 02/2021 (“Audiência Pública”), com o objetivo de conferir maior fluidez e celeridade às operações de distribuição de valores mobiliários. No novo regime proposto, esperado há pelo menos dois anos pelo mercado, a resolução condensará as diversas normas que hoje regulam as ofertas públicas de valores mobiliários, em especial as Instruções nºs 400/2003 e 476/2009 (“ICVM 400” e “ICVM 476”, respectivamente).
A Audiência Pública abrange três minutas (A, B e C), das quais a intitulada “A” merece maiores detalhes, por se tratar da resolução que efetivamente regerá as ofertas públicas.
Na proposta “A”, a CVM abraçou alguns antigos pleitos do mercado em relação à fixação dos chamados “safe harbors”, que balizarão as ofertas consideradas privadas – que, por estarem fora da zona de atuação da autarquia, são dispensadas de registro –, e estabeleceu os graus de escrutínio a que as ofertas consideradas públicas se sujeitarão, a depender, principalmente, do valor mobiliário ofertado e do público a que se destinam, podendo ser automaticamente registradas.
Dentre as hipóteses de dispensa de registro, mantém-se o já conhecido “lote único e indivisível de valores mobiliários”, ao qual são somadas, por exemplo, as colocações de cotas de fundos de investimento fechados exclusivos e de valores mobiliários emitidos, negociados e liquidados no exterior em moeda estrangeira (quando adquiridos por investidores institucionais brasileiros).
As ofertas sujeitas a registro – e, portanto, ao pagamento da taxa de fiscalização prevista em lei, que, em determinados casos, pode atingir o teto superior a R$300 mil – dividem-se entre as de rito ordinário e as de rito automático. Em linhas gerais, o rito automático é previsto para todas as ofertas destinadas a investidores profissionais e qualificados, mas as várias combinações entre determinados fatores fazem com que os ritos adquiram determinadas particularidades, sobretudo no que se refere aos documentos que devem ser apresentados à CVM e a eventuais limitações à negociação dos valores mobiliários ofertados.[1]
Como ponto de destaque, pode-se ressaltar a extinção da bem-sucedida mecânica trazida em 2009 pela ICVM 476, que automaticamente dispensava de registro (e, portanto, do pagamento da mencionada taxa de fiscalização) as ofertas de certos valores mobiliários destinadas a investidores profissionais, em contrapartida a uma limitação no espectro de captação, de negociação e de novas ofertas seguindo o rito previsto na norma. Com a minuta “A”, o que se propõe, como forma de substituir as chamadas “ofertas restritas” da ICVM 476, é extinguir a limitação do número de acessados e de adquirentes dos valores mobiliários ofertados, assim como levantar a proibição de realização de nova oferta nos quatro meses seguintes à original, mantendo-se o público-alvo (investidores profissionais) e cobrando-se a taxa de registro.
Em relação ao rito ordinário, seguindo a linha que vem sendo adotada com vistas à adaptação ao determinado pela Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), o prazo máximo para a análise de pedidos de registro das ofertas foi fixado em 60 (sessenta) dias corridos, os quais deverão ser instruídos, basicamente, por dois documentos: a lâmina (de conteúdo sucinto e essencialmente padronizado) e o prospecto (de formato mais livre, mas agora também orientado para a objetividade).
No mais, destaca-se a mudança, na minuta “A”, do tratamento dado à publicidade e ao período de silêncio, hoje regulados pela ICVM 400, regras tidas como excessivamente restritivas e pouco claras, que podem inibir o emissor/ofertante de prestarem informações que, todavia, seriam úteis aos investidores. Em termos práticos, o prazo de restrição do “quiet period” foi reduzido pela metade (para trinta dias), sobretudo em razão do “maior dinamismo na circulação de informações atualmente e a consequente redução da ‘vida útil’ de cada informação divulgada”, conforme argumentado pela CVM no edital da Audiência Pública.
Na medida em que a minuta “A” amplia as hipóteses de enquadramento das ofertas públicas ao rito automático, a minuta “B” se presta a propor um regime de autorização para as entidades intermediárias líderes/coordenadores de ofertas públicas, que assumirão parte do esforço de supervisão anteriormente a cargo da CVM.
A minuta “C”, por sua vez, propõe ajustes formais e pontuais a outras normas da CVM, para harmonizá-las com o novo sistema das ofertas públicas proposto pela minuta “A”, principalmente voltados à supressão de referências a ofertas públicas com esforços restritos, que deixarão de existir com o novo rito automático de registro de ofertas e a revogação da ICVM 476.
O público poderá enviar sugestões e comentários à CVM sobre o texto da proposta das novas normas até o dia 08/07/2021. O FreitasLeite Advogados se coloca à disposição para receber e debater sobre comentários às propostas das novas normas e eventualmente submetê-los à CVM.
Acesse a Audiência Pública aqui.
[1] Acesse aqui a tabela da matriz de ofertas gerada pela própria CVM para orientar o mercado acerca dos ritos.