Dezembro 2019
Em 20.12.2019, a Receita Federal do Brasil (“RFB”) publicou o Ato Declaratório Interpretativo nº 5, de 17.12.2019 (“ADI RFB nº 5/2019”), que, resumidamente, explicita a posição institucional de que a aplicação ou não do regime tributário especial aplicável a Investidores Não Residentes (“INR”) depende das características apenas dos investidores diretos, notadamente no que se refere à jurisdição da sua residência. Trata-se de manifestação que pode contribuir para a solução de uma divergência recente entre Fisco e contribuintes, que vinha se agravando nos últimos tempos e prejudicando o mercado financeiro brasileiro.
A legislação tributária brasileira estabelece um regime tributário especial para INR que (i) invistam no mercado financeiro segundo as regras do Conselho Monetário Nacional (“CMN”) e (ii) não residam em países com tributação favorecida (que não tributem a renda ou a tributem com alíquota máxima inferior a 20%). Em diversos casos, esse regime especial confere um tratamento mais benéfico aos INR, cujas hipóteses estão consolidadas nos arts. 88 a 98 da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1.585/2015 (“IN RFB nº 1.585/2015”).
Historicamente, essas regras sempre foram interpretadas pelo mercado e pelo Fisco da seguinte forma: o cumprimento dos requisitos para a fruição do regime especial deveria ser verificado de acordo com as características do investidor “direto”, ou seja, do INR que aplica diretamente no mercado brasileiro. Trata-se de interpretação literal das normas que preveem esse regime, que sempre se referem ao cotista do fundo de investimento, ao beneficiário de uma remessa ao exterior etc., valendo-se de requisitos que, apesar de formais ou objetivos, possuem uma finalidade material: conferir segurança jurídica aos contribuintes e ao próprio Fisco.
De fato, benefícios fiscais são indutores de comportamento (no caso, a atração de capital proveniente do exterior), por isso as suas regras têm de ser claras, objetivas e compreensíveis – afinal, somente assim o contribuinte vai saber qual comportamento está sendo induzido. E é por isso, também, que o art. 111 do CTN prevê uma interpretação literal para normas desse tipo: apesar de esse dispositivo ser comumente usado pelo Fisco para limitar direitos dos contribuintes, em certa medida ele também é uma proteção ao próprio contribuinte, pois garante que aquele que cumprir o que está literalmente na norma fará jus ao respectivo benefício.
No entanto, recentemente, alguns auditores fiscais (não identificamos uma posição institucional da RFB nessa postura) passaram a entender que, no caso de INRs pessoas jurídicas ou entidades despersonalizadas, os mencionados requisitos deveriam ser cumpridos também pelos “beneficiários finais” daqueles INR, segundo conceito introduzido pela IN RFB nº 1.684/2016 e atualmente disciplinado pela IN RFB nº 1.863/2018 para fins cadastrais. Com base nisso, passou-se a exigir a identificação dessas pessoas também como condição (adicional) para a fruição dos benefícios pertinentes ao regime especial dos INR, e não apenas no âmbito de aplicação daquelas Instruções Normativas.
Este novo – e insustentável – entendimento gerou autuações milionárias nos últimos tempos, que condenaram o mercado a uma antes inimaginável insegurança jurídica, com a lógica consequência de espantar os recursos financeiros que aquele regime especial visa a atrair para o Brasil. Em outras palavras, a interpretação de alguns auditores fiscais inverteu o sinal da legislação tributária brasileira, que, ao invés de atrair recursos do exterior, passou a afugenta-los.
Diante disso, o ADI RFB nº 5/2019 significa uma desautorização (institucional e acertada) ao entendimento (individual e equivocado) descrito acima, ao garantir a aplicação do regime especial dos INR sempre que os investidores diretos cumpram os requisitos legais.
É importante registrar que o ADI RFB nº 5/2019 não representa uma carta em branco para qualquer estrutura internacional se valer de benefícios fiscais ao investir no Brasil, tendo em vista a ressalva de que a verificação dos requisitos pode não se basear na jurisdição do investidor direto, especificamente nos casos de dolo, fraude ou simulação – o que deverá ser demonstrado pela RFB, como já acontece em inúmeras outras hipóteses.
Evidentemente, a efetiva qualidade de qualquer ato normativo depende da sua aplicação concreta por parte da autoridade competente, de modo que abusos poderão continuar a ocorrer. Não obstante, o ADI RFB nº 5/2019 representa uma louvável iniciativa e, se bem aplicado, trará segurança jurídica e permitirá que a legislação do regime especial do INR cumpra a finalidade que sempre a norteou: conferir segurança jurídica ao mercado e, assim, atrair recursos para o país.
Nossas equipes tributária e de mercado de capitais internacional estão à disposição para prestar maiores esclarecimentos sobre as implicações do ADI RFB nº 5/2019.