Abril 2020
Seis anos depois de o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”) ter alterado sua Resolução nº 2/2012 sobre atos de concentração relativamente a gestores de fundos de investimentos, o recente Ato de Concentração nº 08700.000180/2020-04 considerou que a gestora de investimentos deve ser incluída para fins de cálculo de faturamento do grupo econômico.
Em síntese, o Fundo de Investimento Multimercado Profit 1552 (“Siros FIA IE”), gerido pela Tarpon Gestora de Recursos S.A. (“Grupo Tarpon“), notificou ao CADE a aquisição de 7,66% do capital social da Kepler Weber S.A. (“Kepler Weber”), ocorrida em leilão realizado em 18.12.2019 na B3. Como resultado da operação, o Grupo Tarpon se tornaria titular de ações representativas de 25,56% do capital social da Kepler Weber por meio dos fundos sob sua gestão, uma vez que tais fundos já são titulares, conjuntamente, de aproximadamente 17,90% de ações representativas do capital social da Kepler Weber.
A notificação ao CADE é obrigatória se o faturamento bruto dos grupos econômicos envolvidos tenha sido igual ou superior a R$ 750 milhões e R$ 75 milhões no Brasil no ano anterior à operação (Lei nº 12.529/2011, art. 88, incisos I e II). No caso concreto, o grupo econômico da Kepler Weber atingiu o faturamento de R$ 75 milhões, de modo que foi necessário determinar o faturamento do grupo econômico do Siros FIA IE.
A polêmica se instalou exatamente neste ponto: a definição do grupo econômico do Siros FIA IE sob o ponto de vista concorrencial. Caso a gestora do Grupo Tarpon seja considerada parte do grupo econômico do Siros FIA IE, (i) seu faturamento entraria no cálculo do art. 88 da Lei nº 12.529/2011; (ii) o valor de R$ 750 milhões seria atingido; e (iii) a notificação da operação ao CADE seria obrigatória.
De acordo com o art. 4ª, §2º da Resolução CADE nº 2/2012, a gestora de investimentos não deve ser considerada integrante do grupo econômico do fundo de investimento para fins do cálculo do faturamento e análise de notificação da operação:
“Art. 4º Entende-se como partes da
operação as entidades diretamente envolvidas no negócio jurídico sendo
notificado e os respectivos grupos econômicos
[…]
§2° No caso dos fundos de
investimento, são considerados integrantes do mesmo grupo econômico para fins
de cálculo do faturamento de que trata este artigo, cumulativamente:
I – O grupo econômico de cada cotista
que detenha direta ou indiretamente participação igual ou superior a 50% das
cotas do fundo envolvido na operação via participação individual ou por meio de
qualquer tipo de acordo de cotistas; e
II – As empresas controladas pelo
fundo envolvido na operação e as empresas nas quais o referido fundo detenha
direta ou indiretamente participação igual ou superior a 20% (vinte por cento)
do capital social ou votante.”
Todavia, esta regra foi desconsiderada pela Superintendência-Geral do CADE, pois a gestora do Grupo Tarpon teria controle de fato sobre o Siros FIA IE. De acordo com as partes,
“[…] a Tarpon Gestora de Recursos
S.A. possui amplos poderes sobre todas as decisões comerciais do Fundo (i.e.,
todas as decisões de gestão da carteira de investimento do Siros FIA IE). Em
outras palavras, tais decisões são tomadas pela Tarpon Gestora de forma
discricionária; ou seja, sem qualquer interferência ou necessidade de consentimento
por parte dos quotistas do Fundo.
Note-se que, em linha com esta
estrutura de controle, não há sequer comitê voltado às deliberações de
quotistas (conforme permitido pela regulação aplicável, mas deliberadamente não utilizada
pelos quotistas no caso do Fundo), cujo poder decisório limita-se
a alterar os termos do regulamento. Sequer é permitido ao quotista a decisão sobre permanecer ou não no quadro
societário do Fundo, dado
que este é formado como um condomínio fechado (sendo permitida a
liquidez apenas em casos de amortização total ou parcial de quotas, em base pro-rata participação
no Fundo a todos os investidores ao mesmo tempo, ou através da venda secundária
de quotas).
Com efeito, os poderes de gestão da
Tarpon Gestora, em particular no que diz respeito ao exercício dos direitos de
voto dos ativos integrantes da carteira de investimentos
do Fundo (incluindo as próprias ações de emissão da Kepler Weber S.A. objeto da
operação em referência), são exercidos de forma plenamente discricionária pela
Tarpon Gestora, sem a necessidade de qualquer consulta ou consentimento de
qualquer dos quotistas do Fundo.” – Manifestação das partes apresentada em 06.02.2020 (grifos nossos)
Diante das características específicas do controle exercido pela gestora no Siros FIA IE, a Superintendência-Geral do CADE considerou que o Grupo Tarpon deveria ser incluído como parte integrante do grupo econômico, de modo que a notificação da operação obrigatória.
Por discordar desta interpretação, a Conselheira do CADE Lenisa Rodrigues Prado avocou o Ato de Concentração para análise do Tribunal do CADE, pois uma interpretação contrária à Resolução CADE nº 2/2012 poderia ensejar insegurança jurídica (Despacho Decisório nº 9/2020/GAB1/CADE). Entretanto, sua objeção não prevaleceu.
Em sessão de julgamento em 04.03.2020, por maioria, o plenário do CADE não homologou o despacho da Conselheira Lenisa e confirmou o entendimento da Superintendência-Geral sobre a obrigatoriedade de notificação da operação ao CADE.
Em síntese, o entendimento do CADE determina que, dependendo de como o controle do fundo de investimento for exercido pela gestora e seus acionistas, a gestora do fundo poderá ser considerada como parte do grupo econômico do fundo de investimento, devendo seu faturamento ser integrado ao cálculo do faturamento do grupo econômico para fins de notificação da operação.
Depois desta decisão, deve ser feita uma análise mais cuidadosa de operações pelas partes e das características específicas, especialmente a forma com que o controle dos fundos de investimento é exercido para além dos critérios dispostos na legislação. O julgado poderá tornar mais frequente a necessidade de notificação de atos de concentração ao CADE.
Para maiores informações sobre o assunto, favor consultar Leopoldo Pagotto, sócio responsável pela área antitruste, compliance e anticorrupção ([email protected]).